RELACIONAMENTO COM O ÍDOLO E COM AQUELES POR QUEM A TORCIDA NÃO TEM ADMIRAÇÃO
Um dos principais dilemas do
dirigente está no relacionamento com o jogador que atinge o status de ídolo da torcida do clube. O
torcedor que idolatra um jogador o vê com os olhos da idealização. O ídolo, aos
olhos do fã, é perfeito. O cara, na visão do aficionado, “joga muito”, adora o
clube, é fiel e leal à instituição, respeita as autoridades e hierarquias. Ele só
aceita negócios que atendem também aos interesses do clube; nunca trai acordos. O ídolo não tem
mau-hálito, não vomita, não tem diarreia nem febre; não tem defeitos. É bom caráter e “bom
de vestiário”. Conquistou tudo com o talento que Deus lhe deu, mas também com
muito trabalho, muita disciplina, sendo ético e leal. Se atingiu o estrelato, acredita o fã,
foi por seus méritos, não por benesses de quem quer que seja. O ídolo ama o clube e sua
torcida.
O dirigente vê outro cara. Vê o ser
humano. Testemunha seus momentos de fraqueza, de ansiedade, de medo. Presencia
suas manifestações de egoísmo, de vaidade, de “estrelismo”, de “marra”, de
“máscara”. Conhece suas virtudes, mas conhece seus vícios, seus desvios de
conduta, suas imperfeições humanas. Conhece, mas não pode, sob nenhuma
hipótese, trazer a público nada disso. O ídolo é intocável. E tem que ser
assim.
Na outra ponta, o dirigente conhece
os dramas vivenciados pelos jogadores que, como declaram alguns torcedores mais
exaltados e taxativos, “não podem vestir a camisa do clube”. Alguns são sujeitos honestos, corretos, trabalhadores, dedicados à família. Muitas vezes são
caras que fizeram sacrifícios pessoais imensos, desde tenra idade, para chegar
ao grande clube. Apartaram-se cedo de suas famílias; viveram em alojamentos e
em condições de higiene e alimentação inimagináveis nos tempos atuais, onde a vigilância
sanitária é exigente e temos os Conselhos Tutelares da Infância e
Juventude, também muito atentos. Hoje as coisas mudaram muito. Melhoraram bastante, mas uma criança
viver apartada da família em busca de um sonho, por melhores que sejam as
condições oferecidas por clubes com boa estrutura, é sempre um drama pessoal e
familiar. E para estes, que não caem nas graças da maioria da torcida, não há perdão. São os responsáveis pelas derrotas, pelas desclassificações.
O dirigente tem que viver com isto,
com estes dilemas discretos: o ídolo perfeito e o “perna-de-pau”, que não tem
nada de bom. É assim.